Cozinha da Matilde

Alter do Chão – Bolinho e Farofa de Piracuí

No ano passado fui convidada para fazer um casamento muito bacana em uma praia lindíssima do rio Tapajós em Alter do Chão, no Pará. Por conta da empreitada fiz duas visitas a Alter e o mínimo que posso dizer é que foi emocionante.

Alter é um pequeno distrito do município de Santarém situado a 40 km de distância. Funciona como um pequeno pólo turístico local, já que as edificações nasceram de frente para o rio Tapajós e para a belíssima Praia dos Amores.

Para mim foi como uma volta ao passado. Alter se parece muito com a cidade onde vivi em Tocantins, Pedro Afonso, que também tinha praias lindíssimas, tanto do Tocantins como do Rio do Sono e a mesma atmosfera, calor, cheiro e frutas de Alter. Aliás, as frutas que revi logo vão virar um post aqui cheio de sabor!

Recordei causos, reaprendi receitas e preparos que havia esquecido e conheci pessoas que viraram amigos prá toda vida, como @s querid@s “Seu” Castelo e a Rosa. Um dos cozinheiros/chef mais experientes da cidade, casado com uma das doceiras mais famosas.

E foi a Rosa, que também vai virar post aqui nessa série, quem me apresentou o piracuí e me ensinou a fazer tanto o bolinho como a farofa com banana. E também foi ela quem me mandou essa farinha que usei aqui direto de Alter e junto com ela várias outras cositas locais.

Piracuí

Um dos alimentos da Arca do Gosto, o piracuí é uma espécie de farinha produzida pelo beneficiamento de peixe e o que podemos chamar de alimento legitimamente brasileiro, de origem indígena. Seu sabor levemente defumado remete ao delicado katsuobushi japonês (lascas finas de bonito defumado), mas o piracuí tem sabor mais intenso.

Em Alter do Chão ele é um hit. Em toda casa que a gente chega tem farinha de piracuí e com ela fazem a farofa, o bolinho, pirão e até sanduba. Uma das iguarias locais é o X-Piracuí, sanduba feito com hamburguer de piracuí, queijo e salada, uma delícia!

A produção do piracuí é muito comum na região. Consiste em assar/moquear o acari ou o tamuata, retirar a carne, catar as espinhas e então torrar essa massa de peixe usando o mesmo processo de torra da farinha de mandioca, também produzida na região.

Rosa me ensinou a fazer a farofa e o bolinho de piracuí, dois preparos que servimos no casamento e que fizeram muito sucesso.

Bolinho e Farofa de piracuí com banana

Bolinho de piracuí

O bolinho é parente do de bacalhau, a mesma receita aliás, só muda o peixe. E se a gente for parar prá pensar tanto o piracuí, o bacalhau como o katsuobushi são formas de beneficiamento de peixe para armazenamento, não é?

A beleza da comida é isso, tudo se liga de alguma maneira.

Ingredientes – para 30 bolinhos

  • 2 xícaras (chá) de piracuí
  • 1 batata média cozida e passada no espremedor
  • 1 ovo
  • 1 cebola média brunoise (cubos mínimos)
  • 1 pimenta de cheiro fatiada finamente
  • 2 colheres (sopa) de salsinha fatiada
  • 2 colheres de sopa de cebolinha verde fatiada
  • óleo para fritar e sal a gosto

Modo de fazer

Misture todos os ingredientes até formar uma massa homogênea.

Modele bolinhos de aproximadamente uma colher (sopa) de massa. Frite em óleo quente e sirva com pimenta.

No casamento eu servi estes bolinhos com um pesto de coentro, ficaram deliciosos!

 Farofa de piracuí com banana

É uma farofa muito simples, farofinha de tempero como costumo chamar. A graça fica por conta do sabor marcante do piracuí e a doçura da banana.

Em geral faço com banana da terra que tem que estar muito madura e com a casca quase preta. Como não encontrei, usei a banana prata super madura no lugar. Ficou ótimo.

Ingredientes – 4 porções

  • 2 xícaras (chá) de piracuí
  • 1 banana da terra ou duas bananas prata bem maduras cortadas em meia rodela
  • 1 cebola média brunoise
  • 2 dentes de alho brunoise
  • 1 pimenta dedo de moça ou de cheiro fatiadinha
  • 1/2 xícara de salsinha fatiada
  • 4 colheres (sopa) de manteiga de garrafa
  • sal e pimenta do reino à gosto

Modo de fazer

Frite a banana na manteiga de garrafa até dourar. Retire e reserve.

Na mesma sauteuse doure a cebola na manteiga de garrafa com uma pitada de sal. Acrescente o alho até murchar. Acrescente a pimenta e a banana frita e continue salteando.

Adicione por fim o piracuí misturando bem , ajuste o sal e polvilhe com a salsinha.

Bom apetite!!!

Mais uma dica:

Ah, ficou com vontade de conhecer Alter, tomar banho no tapajós e experimentar o bolinho de piracuí in loco e de quebra conhecer a Rosa? A Turismo Consciente da minha querida amiga Maria Tereza Meinberg faz pacotes sensacionais para o Pará e especificamente para Alter.

Entre os pacotes vários com focos na gastronomia local. É a oportunidade de conhecer uma casa da farinha, de assistir a elaboração do piracuí, fazer tacacá…

Harmoniza com… por Marina Novaes (na Pick’up ) e Marcelo Pedro (no Copo)

Como as receitas do post de hoje são a base de peixe processado tipico do sudoeste do Pará, e ainda por cima os bolinhos lembram o bolinho de bacalhau com sabor mais defumado, pensei em harmonizar com cerveja, que é o que combina com o calorzão da região. Uma boa pedida por serem cervejas mais leves e refrescantes, são as pilsen tchecas Pilsner Urquell e Czechvar. Aliás, a Czechvar na República Tcheca chama-se Budweiser Budvar, mas por questões legais com a homônima americana, mudou de nome ao ser importada no Brasil. E cá entre nós, não dá pra compará-las. As duas são fáceis de encontrar em supermercados, com preços acessíveis.

Agora, se você quer tentar algo mais ousado, podemos harmonizar os pratos com piracuí com um bom saquê, de preferência seco e com bom nível de acidez, para combinar com os pratos condimentados e gordurosos, como o bolinho.

O saquê é uma bebida destilada a partir de uma espécie de arroz nativo do Japão, denominado “sakamai”. Na Califórnia, onde estão as maiores fábricas de saquê do mundo, foi desenvolvida por meio de melhoramentos genéticos e cruzamentos, uma espécie adaptada ao clima e condições de solo para poder suprir a enorme demanda do mercado estadunidense. Os saquês brasileiros são produzidos com arroz importado do Japão, pois a produção e consumo locais não justificam o desenvolvimento de uma espécie de arroz adaptado ao nosso clima.

O segredo do bom saquê é o grau de polimento do arroz, pois apenas o amido que está no centro do grão deve ser usado para a fermentação. Apesar de alguns chamarem saquê de vinho de arroz, seu processo de fabricação lembra mais o da cerveja. É bastante elaborado, necessitando de adição de um fungo do gênero Aspergillus para liberar as enzimas (amilases, entre outras) que quebram o amido em moléculas de açúcares menores e mais simples (maltose, glicose), que são o substrato para a levedura de cerveja, Saccharomyces cerevisiae, que irá produzir o álcool.

Existem duas grandes categorias de saquê, o Junmai que não leva adição de álcool e o Honzozo, que tem adição de álcool além do produzido na fermentação do arroz. As categorias superiores são Ginjo e Dainginjo, que implicam em maior grau de polimento, portanto maior pureza de amido para fermentação.

Agora o mais importante é não colocar sal na borda do copo de saquê, que só deve ser usado para equilibrar o sabor de saquês de pior qualidade, que contém grandes quantidades de amido e açúcares residuais, tornando o saquê muito adocicado e enjoativo. Além do mais, o equilíbrio com o sal do bolinho e da farofa de piracuí já é o suficiente.

Qual a marca de saquê? Bem, aí o melhor é procurar uma boa loja na Liberdade e pedir ajuda a algum vendedor especialista em saquê, de preferência que saiba ler japonês, uma vez que as informações dos rótulos de saquê japoneses só vem escritas em Nihongo (japonês)! Ou tentar um saquê californiano, ou mesmo um bom saquê nacional.

Gelado, em temperatura ambiente ou quente? Eu prefiro bem fresco, mas nada de estupidamente gelado. Kampai!

Banda UÓ
Shake de Amor

Para combinar com este bolinho e farofa de piracuí, precisa ser algo genuinamente brasileiro. E não só isso, precisa ser uma mistura musical mutante. Assim é o tecno brega. E assim é a banda UÓ.

Diretamente de Goiânia, eles adotaram o amazônico estilo de música de Belém, o próprio tecno brega, e fizeram uma combinação mutante com indie rock. Influenciados pela cool Gabi Amarantos, fizeram um hit, dançante e engraçadíssimo o Shake de Amor. O refrão é um dos melhores de todos os tempos! E a formação da banda também é incrível, Mateus Carrilho, Davi Sabbag, gays e Mel Gonçalves, transsexual de parar o quarteirão.

Reportagem da Vanity Fair, parceria com o DJ Diplo, participação da Preta Gil e do Luis Caldas.

Este trio mostra, como o bolinho de piracuí, que quando se tira o tradicional (no caso gastronômico bacalhau), o resultado é surpreendente. E parece que o próximo passo do trio é misturar com a cúmbia, o reggaeton e a música árabe. Bom, daqui há 30 anos a gente vê se isso é ou não história, ;)