Cozinha da Matilde

Sopa cremosa de milho verde

O friozinho anda bem mequetrefe, mas inverno é inverno e continua sendo o melhor pretexto prá gente afogar as carências em sopa quentinha – o preparo mais próximo de um abraço comestível e por isso mesmo, o grande hit do inverno.

E essa aqui então, de milho verde, me conforta duplamente, porque vai gostar assim de milho verde… quando era criança colhia espigas de milho nas roças na beira do Tocantins junto com @s amig@s e corria em busca de um fogão a lenha para assar as danadas, que depois devorava com sal e sabor adicional de fuligem… só de pensar fico com água na boca e com uma saudade danada daquele tempo de moleca.

E milho verde é um ingrediente muito bacana mesmo, rende quase tudo: farinha, fubá, quirela, amido, xarope… é bom tanto em doce como na comida salgada. Pode ser cozido, assado, ralado, refogado, torrado – versatilidade é com ele mesmo. Não por acaso é o grande alimento das Américas, assim como o arroz pros orientais e o trigo para europeus. É mesmo o grande elo entre todos nós, american@s. De uma maneira ou outra todo mundo come milho por aqui e também pipocam em quase todo continente receitas de pamonha… só muda o nome: humita no Chile, tamale no México… mas isso é assunto prá um novo post. Por enquanto vamos à receita da sopinha que fiz dia desses:

Essa sopa é bem simples de fazer e tem muita “sustânça”, segura bem a onda em dias de inverno. Fiz essa versão aqui vegetariana, sem nenhuma carne, mas fica deliciosa também com frango desfiadinho, se for caipira então… e também já fiz com suã de porco, mas aí é muita gordice! ;P

Outra coisa que costumo acrescentar é couve rasgadinha no fundo do prato ou folhinhas de ora-pro-nóbis.

Ingredientes – 4 porções

  • 10 espigas de milho já debulhadas (retire os milhos do sabugo com a ajuda de uma faca)
  • 3 espigas de milho bem novinho para guarnição (também debulhado)
  • 3 dentes de alho brunoise
  • 1 cebola pequena brunoise
  • 3 colheres (sopa) de azeite de oliva
  • 1 dedo de moça laminada finamente sem semente
  • salsinha e ciboulette ou cebolinha verde laminada
  • talos de salsinha laminados
  • sal e pimenta do reino à gosto

Modo de fazer

Bata o milho (menos as 3 espigas da guarnição) no liquidificador com 2 copos de água – coe a mistura.

Salteie a cebola, 2 dentes de alho e os talos de salsinha em 2 colheres de azeite e uma pitada de sal. Acrescente o milho batido e coado, deixe ferver e reduzir ao ponto de creme.

Em uma frigideira anti-aderente sue o restante do alho em uma pitada de sal e salteie os grãos de milho novinho da guarnição. Acrescente a dedo de moça, ajuste o sal e a pimenta.

Sirva a sopa polvilhada com o milho salteadinho, ciboulette, salsinha e gotinhas de azeite.

 Bom apetite e sinta-se abraçad@!

Harmoniza com… por Marcelo Pedro (No copo) e Marina Novaes (Na Pick ‘up)

Já que o veranico arrefeceu esta semana com a chegada de uma frente fria (meia boca, mas deu uma esfriadinha gostosa a noite), hoje vou sugerir uma bebida pra esquentar, mas como aperitivo para esta sopa de milho verde, bem brasileira: a nossa bebida nacional, a cachaça.

Recentemente a aguardente de cana brasileira, com a denominação de cachaça, foi reconhecida internacionalmente como uma bebida de denominação controlada. Isto garantirá que os mercados internacionais tenham a garantia de qualidade da cachaça, e nossa pinguinha poderá concorrer de igual para igual com o rum, por exemplo, em mercados exigentes como o europeu e estadunidense. Mas isso fica pras empresas que querem exportar, produzir em grande quantidade, industrializar a bebida. Isto tem prós e contras, pois deverão ser cumpridas normas de qualidade e sanitárias mais rigorosas. Mas pode ser um problema para os produtores artesanais. Existem alambiques que produzem bebida de má qualidade, com resíduos de metais pesados, principalmente o cobre, ou ainda com metanol (altamente tóxico).

Mas existem os produtores artesanais que fazem cachaça de altíssima qualidade, de um capricho incrível, como a minha favorita (que eu já falei aqui em outro post, mas é sempre bom relembrar): a cachaça Maria Izabel de Paraty. A produção é toda feita no sítio Santo Antonio, da Maria Izabel, um lugar meio mágico, onde existem poneys, parece uma ilha sendo no continente, com uma vista linda da ilha do Araújo,  e com um alambique de cobre impecável, com fogo a lenha. A Maria Izabel, proprietária do Sítio e do Alambique, e que dá nome a cachaça, é uma paratiense da gema, neta do Dr.Samuel Costa, que foi um famoso prefeito de Paraty, responsável por plantar as palmeiras imperiais da praça da igreja Matriz. Ela produz cachaças só com cana plantada no seu sítio ou de vizinhos, sem uso de agrotóxicos ou adubos químicos, além de preparar o fermento todo caseiro, sem adição de enzimas e outros insumos industrializados. Tem uma produção pequena, que envelhece em tóneis de carvalho, e produz uma bebida com cor mais amarelo escuro, com notas de madeira bem marcantes, ou jequitibá que é uma madeira mais neutra e deixa a cachaça mais clarinha.

Porém a vedete é a Reserva Especial, apenas 5% da produção da Maria Izabel, o coração do coração da destilação da cachaça. É incrivelmente redonda, equilibrada, com teor alcoólico perfeito, sem exageros, macia e aveludada. Na minha opinião, melhor que a famosa Anísio Santiago (ex-Havana) de Salinas, e apesar de não ser baratinha, não custa o absurdo que a Anísio chega a custar. Por ser tão artesanal e produzida em tão pequena escala, a Reserva Especial só pode ser comprada lá no Sítio Santo Antonio. Então que tal programar uma viagem a Paraty, ligar para a Maria Izabel, ou simplesmente aparecer por lá, trocar um dedo de prosa com esta maravilhosa alambiqueira e comprar umas garrafas depois de fazer uma degustação? Vale a viagem. Saúde!

 

Eu adoro esta sensação de nostalgia que o milho dá ao lembrar da infância. Eu adoro um friozinho e uma sopa. Mas gosto mesmo desta história que o milho é o alimento que une os países da América. Interesso-me pela muito pela América Latina, tanto que estudo as mulheres migrantes latinas no mestrado, e meu trabalho como advogada se resume para que um dia possamos ter livre trânsito e residência na América Latina e Caribe.

Escolhi para ouvir enquanto se debulha a clássica  Cio da Terra do Milton Nascimento e do Chico Buarque, gravada em 1976. Esta música é de uma beleza de emocionar, que descreve o ciclo da terra comparando com a ciclo da vida. Eles aqui só provam que são ARTISTAS com todas as letras em maiúsculos.

Depois de bater no liquidificador o milho e preparar para deixá-lo reduzir em forma de creme, ouça Ojalla que llueva Café, na versão da banda mexicana Café Tacuba. Eu sou super fã deles, que desde os anos 90 fazem muito sucesso no México, e que é difícil rotulá-los em um gênero porque os caras são versáteis. E esta música, composta pelo dominicano Juan Luis Guerra, é uma celebração de ingredientes da Pacha Mama, e este violino do Café Tacuba dá um tom de divino mesmo, olha só:

Já para saborear a sopa, ia colocar um Silvio Rodriguez, cantor cubano que imprime em suas letras militância e poesia, mas em tempo me inspirei pela sugestão indireta do querido Fabio Rosatti. E olha a constelação que ele mandou: Mercedes Sosa, Caetano Veloso, Gal Costa, Chico Buarque e Milton Nascimento tod@s cantando esta canção da incrível chilena Violeta Parra, chamada Volver a los diecisiete. Eu já ouvia no repeat do álbum do Milton Nascimento, chamado ‘Geraes’, já tinha visto com ele e a Mercedes Sosa, mas olha só que emoção todo mundo no palco: