Cozinha da Matilde

Soirmlé

A região onde passei a infância em Minas (Triângulo Mineiro) teve uma forte imigração de libaneses e árabes, e pratos como o kibe cru, o tabule, o arroz com macarrão cabelo de anjo, o malfuf passaram a fazer parte de nossa alimentação cotidiana. Para ter uma idéia de como esta influência é forte, na minha cidade era comum que os açougues vendessem kibe cru.

Sempre pensei sobre o porquê desta forte imigração bem no centro do Brasil, e tenho aqui na minha cabeça algumas explicações. Talvez a coisa tenha começado com os mascates que passavam vendendo seus produtos pelo interior, em especial nessa região de Minas e Goiás que até pouco tempo era bastante isolada (para se ter uma idéia, minha mãe, quando pequena, levava dois dias inteiros para fazer a viagem entre a cidade dela – na divisa de Minas com Goiás – até Ribeirão Preto, onde morava uma tia). Outra coisa que me passa pela cabeça são os costumes locais. Em ambos os casos, culturas que prezam pela fartura e pela hospitalidade e contam também com um clima agradável e um solo muito fértil.

O fato é, por conta da cultura local e pelo fato de que minha avó tinha uma amiga muito próxima, a Dona Jamila, que lhe ensinou os vários pratos e os segredos dessa culinária que é tão saborosa e saudável, eu cresci comendo e fazendo comida árabe e libanesa. Incontáveis os dias em que eu passava ajudando minha avó a secar e moer o trigo, enrolando os malfuf, descascando grão-de-bico, dourando o macarrão para fazer a aletria… enfim…

Já morando na Paulicéia, fui conhecer um restaurante Armênio cheio de história de tradição, o Casa Garabed (http://www.casagarabed.com.br/), que fica em Santana, em uma ruazinha escondida e serve a melhor esfiha que já comi na vida, e também o basturmá (uma espécie de pastrame, feito de lagarto e que usa especiarias sensacionais, um sabor único!). Além da boa comida, vale a pena espiar um pouco o maravilhoso forno à lenha que tem mais de 50 anos, onde é assada na hora quase toda a comida.

Lá descobri o Soirlmé, uma salada fria berinjelas assadas com temperos. Trata-se, na minha opinião, da versão armênia do babaganuch, mas ao contrário deste último, não utiliza o tahine (pasta de gergelim) e por outro lado, utiliza ingredientes que o baba não tem, como o tomate sem pele e sem semente cortado em cubinhos (concassé). Delicioso, muito fresco, ideal para os dias quentes, ainda mais se acompanhado pelo delicioso pão que eles assam na hora e chega quentinho na mesa…

As semelhanças entre a cozinha armênia e a cozinha libanesa não param aí, vários pratos são comuns, entre eles: o charutinho de folha de uva (wuara aneb ou sarmá) ou a versão com repolho (malfuf), o cafta e as esfihas. A diferença é bem sútil, na minha opinião a cozinha armênia é mais detalhista e delicada que a libanesa, mas quando se fala em sabor as duas empatam!

Pois bem, gostei tanto do Soirlmé que passei a fazer em casa e agora repasso aqui a minha versão:

2 berinjelas assadas no bico do fogão para retirar a pele
2 tomates débora sem pele e sem semente cortados em cubos mínimos
½ cebola roxa cortada em cubos mínimos
½ dente de alho picadinho
salsinha picada
azeite extravirgem

Depois de tirar a pele das berinjela, bata a polpa com uma faca até ter uma espécie de pasta de berinjela. Adicione os outros ingredientes e misture delicadamente. Ajuste o sal e regue generosamente com azeite. Sirva com pão.